sexta-feira, 23 de abril de 2010

Primeira plataforma

Seu olegário olhava, em redor, a movimentação das pessoas. Era um olhar viscoso, tanto pelos adjetivos quanto em substância. Havia fome também, mas acreditava que não adiantaria pedir ao homem da lanchonete um daqueles croquetes da bandeija lá perto da pia. Tinha lugar na estufa de salgados, então era de se concluir que os croquetes estariam vencidos. Além do mais, a fome ia-se indo, de dores em odores de estômago e das idas e vindas dos pedestres cheios de malas, mochilas, caixas e caixões.
Ele, um velho, sentado em uma das cadeiras azuis, com um olhar viscoso de fomes e olhares no vai-e-vem de transeuntes, trazia um saco onde já havia acondicionado a paçoca, a rapadura e um pedaço de fumo cheiroso. Não abria o saco. No entanto, o modo como o segurava era de se temer. Mesmo com o nó reforçado na boca, apertava gravemente e cheio de calos o seu único tesouro, o qual, de maneira alguma teria pensado em deixar para os seus parentes.
O asilo de onde acabara de fugir não era mais que o seu próprio barraco, construído por ele mesmo, um asilo voluntário, com hóspede único. Tinha cavado nos fundos do lote um poço que era bonito de se ver, e como dava água! O cachorro o abandonou quando do aparecimento das primeiras chagas, não antes de tê-las lambido em vão ofício de charlatão.
Dessa morada, vez em quando, o velho enxergava uma menina com corda e balde, a qual aparentava ir buscar água longe. E aqui mesmo, tão junto, não tinha água e boa? Mas seu Olegário também não chamava, que já perdia as vontades de voz.
Foi somente a desconfiança de chegada de um parente na colônia que movera o velho. Daí, as conduções vêm e vão, feito os passos dos viajantes, e nada do menino de que falaram suas premonições. Um menino, seu Olegário, tem o seu nome, sabia? Também não sabia se deixava com o menino os seus pertences, essas coisas são tão pessoais...
Parece que se ia amuando os zunidos das conduções e o burburinho das pessoas despedindo umas das outras, os beijinhos e choros de gente, tudo ia na malemolência de que o lugar estava para fechar. Olhou para estufa e não viu mais os salgadinhos nem o homem da lanchonete, mas os croquetes estavam ainda lá perto da pia, com uma boa leva moscas. Levantou o olhar viscoso e viu nuvens vermelhas de fazer gosto ao sol a se esconder lá no além. E lá divisava a menina com a corda, num nítido esforço de um balde transbordante, caminhando até os olhos do velho lacrimejarem ou um chamado tímido o despertar.
- Ei, Olegário, não é agora a nosso passeio?
Só era ele e o menino, então. E no olhar do menino tinha reconhecido o do cachorro fujão.
Sorriram.
Agora, com a bandeija de croquetes no chão e já nos olhos um jeito de festa, a ceia dele e do menino-cão era a desertar o lugar de pessoas e conduções.
- Guarde lugar na barriga para a rapadura. E amanhã ainda temos paçoca!
Já começava a mascar o fumo, e o cachorro abanava o rabinho e olhava em direção do sol vermelho, e compreendia que seu Olegário e ele tomariam a próxima condução, viesse ela quando viesse.

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