sexta-feira, 8 de julho de 2011

De como a beleza do ser é vasta tal um conto de clarice chamado Amor

                                                                                                       À beleza do ser

Isso foi quando ainda não via minhas alegrias transtornadas pelo sono eterno perturbado.
Ouvi o último grito do motorista avisando o destino de meu ônibus impaciente. O rapaz ao meu lado parecia expressar a ansiedade para chegar, tanto quanto o seu retorno. Nessa idade, somos todos felizes, pois o ronco do motor provoca no peito um distúrbio de energia capaz de também nos trazer lembranças. Ele murmurou algo como "o mais importante é o trajeto da longa caminhada e não o seu fim" e, claro, isso me suspeitou uma doçura como a de uma positividade juvenil, mas não era para mim que afirmava esse imprópério.
O brilho de seu olho me dizia outra coisa, dizia que há no universo harmonias infindas de seres e coisas grotescas, as quais compensam o infortúnio das angústias provocadas pela profundidade dos desejos. No entanto, para isso sorri. Minha senilidade teve um lance de esperança e as flores iam se abrindo na relva que circundava a rodoviária. Eram lírios volumosos destacando em meio ao verde mórbido. Os dentes do rapaz eram de brancura calma e eram somente isso: brancos.
Tão feliz em sua beleza que os fones em seus ouvidos é que pareciam vibrar com a música advinda de seu rosto. Eu já havia ouvidos narcisos em outras viagens, mas meu companheiro trazia sinais de uma tristeza tal que me comovia.  Pensei que seus lábios balbuciando a música de Soroco, sua mãe e sua filha, tateavam as pistas de deus para que os homens coletassem messes do Édem. Da boca saem a saliva que precede o alimento, as inconstâncias da palavra, mas, sobretudo, a infinda consubstância de um beijo, como diria Djavan.
Daí o motorista alertou sobre o cinto de segurança e proferiu a ironia de boa viagem. O vendedor de iguarias emergenciais não se abalou, mas no compasso de seus pés e a velocidade com a qual passava o troco para a velha do banco da frente, todo o aroma das frituras foi sugado pelo rapaz dos lábios, se é que lábios têm ereção.
Então, eu de olho no olho do outro de olho no olho de eu de olho outro no olho outro ou de olhos em molhos molhados de malhos que marulham no melhor do outro olho maior de um, em meio a mares melhores e meadas de aios oleosos olhados por mim.
Daí milhas seguiram-se sem nem mesmo palavra. o rapaz dormia na segadura dos verdes, sorvia em sono os avanços das rodas infinitas e paralelas. Que triste gozo de chegar! Como o demônio me vem em formas prosaicas! A coincidência de não haver paradas sob a aquiescência dos passageiros não me enganariam: a eternidade sempre entedia. O rapaz era o velho e era  bebê.
Agora o rapaz era eu e o demônio lograva sobre mim seu interesse de disputar cadáveres e almas laicas.
Cinco horas sem sequer outras oleosidades. O bilheteiro era a chave de minhas indecisões, sem embargo, pois até aqui nunca eu tinha chegado a terminais de longas viagens; constantes baldeações.
Eu não disse que era noite, mas quando ascenderam luzes internas, eu sentia cada bocejar rasgando a atmosfera tardia como o dever de trabalho no final do expediente. o bebê da primeira fileira já sentia a aproximação da próxima cidade, pois seu entretenimento de ver anjos já se dissipara e agora luzes além enchiam-me de lágrimas não-viscosas.
O rapaz sorriu.
E jamais sorriram assim todas as gerações. Eu, que sempre me assento junto à janela, compreendia a vivacidade do menino. Com prazer abriu a mochila, dela a carteira, dela o bilhete, em que apenso, grampeado seu flagrante mais decepcionante: o ticket de bagagem.
E num ínfimo recôndito de vida, eu acenei com a cabeça para ele, como a dizer que se cultivasse a vida, com certeza o amaria.
Ele compreendeu, pois seu hálito muito próximo, mediocrizava meu destino e, pela primeira vez em minha morte, houve o caos intolerado pela ordem.