sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Ocaso de Túlio



Perto demais de lábios emudeci
O corpo, de moto continuum
Toda vez: presságios de Éden
Andávamos nus e amordaçados
Um lapso mitiga os mitos
E assim, de soslaio, procrastinam precipícios cada gene e armistício.

São falácias de triunfo cantar luas, decolores, seus amores, sugestões
Nos olvidos de ruídos
Vagam penas de olfato
Comensais e iluminuras
E o abraço se esvaiu
Tão longe de alvoradas

O caso, meu finado, meu cumpadre
...viver dói, viver dói, viver dói...
Junto à margem cede a terra
Erra o alvo e paga o preço
Ira alto em cruz carrega
Cai, cai, cai
Cacófago
Sement
Est verbum
Dei

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Uma só vez



Uma vez na vida faça um poema para seu amor
Nem que seja a uma amizade no disfarce da flor
A tua língua aprecia gorjeios
O papel aguarda adornos
Os romances precisam preces
E sexos comprazem em corpos.

Uma vez na vida dance e rodopie seu par
Nem que sussurre roucos semitons ao luar
As músicas ensejam os gritos
Os passos entrelaçam os pares
As valsas se roçam em dois
Amassos se amansam das mãos.

Uma vez na vida desenhe a face querida
Nem que pinte os sete tecidos da sina
A tela reclama tuas manchas
As cores contornam carícias
Garatujas refratam desejos
Pinceladas simulam os selos.

Uma vez na vida morra de bem pra seu bem
Nem que não te pareça assim que seja tão bem
O princípio se finda de fins
O infinito em palavras desdiz
Os sons se consomem em voz
A luz olha o risco da cor.

Uma vez na vida viva enfim seu viver
Nem que isso seja querer ser o ser sem viver.

terça-feira, 26 de agosto de 2014

De Narciso



Quando encontrar algo para beber, vou me sentar e retirar esse espinho. A estrada agora é meio íngreme e sinto que não prossigo se essa dor pontiaguda me vencer.  Já tive que conversar com o rapaz coxo logo ali atrás. Ele dizia que o companheiro de viagem é que encurta os caminhos, que a palavra extermina os percalços. Acredita que mesmo se os viajantes vão em mesmo itinerário é como se andassem pela metade, dividiriam a fadiga. Irônico o caminhante trilhar também suas teorias. É sua consciência que é vacilante, mas é pior ainda quando ele sorri. A esperança desse pobre evolui a cada tropeço, como a indicar que ambos não sabemos mesmo a direção, mas já entendi que sua paixão é seu vício, sua ferida na perna é o que faz mover seu corpo torto, e vão conformando seu rosto delicado em contrações involuntárias, mascarando as cicatrizes de tortura a que foi submetido. Porém suas lágrimas também não me interessariam.
Foi no meio da história das suas chagas que apertei meu passo sem olhar pra trás. Sua narrativa vinha com um percurso que daria na superação de um injustiçado. Uma estável ignorância no início, provocada por apontar de ferida presente e específica perto do calcanhar. Complicou-se com o despertar de amor por sua irmã, até a notícia do casamento dela com um homem mais velho e mais rico.  Daí, acumularam-se a chegada de outra mulher que o assediava, os dias de monotonia do relacionamento por conveniência, favor e pena, até alcançar o fundo do poço nas bebidas, nos espancamentos e no sexo animal. O rapaz levantou muito cedo - a mulher na cama, como morta – nu e descalço, enrolou-se no lençol ensanguentado, e com o facão afiado saiu de casa gritando o nome da irmã.
Pelo seu balbuciar, creio que nem tenha percebido meu deslocamento e talvez a história esteja perto do fim. Os contadores de histórias, tanto das suas quanto as de outro, deveriam saber que não se sorri o tempo todo durante seu contar. Há que se verter para a voz, para o corpo, para as expressões faciais, muito mais até que as emoções das personagens. É preciso interpretar o narrador que tudo sabe, e também o ouvinte. Mas nem assim eu queria ouvi-lo.
Ganho velocidade e acho que cada passo meu vale por cinco dele. Não fosse pelo espinho, eu estaria à boa distância sem nem rememorar esse encontro. Estranho também por ele não me rogar atenção, pois age como se eu lhe fosse paciente. Avisto um filete de água um pouco adiante, desacelero. Um reflexo solidário me faz olhar pra trás e o rapaz está de cócoras coçando as cicatrizes quase em carne crua. Agora: água. Lá atrás o moço continua abaixado, mas não mais sorri. Percebo que cada gesto meu de tomar água em concha e levar até a boca corresponde com os das mãos do rapaz encharcarem-se de sangue cavados pelas unhas e levá-las à boca. Então, mesmo saciado, repito seguidas vezes o ato, de forma que ele vai se devorando com pedaços cada vez maiores e me enjoo mais com o beber da água do que com o espetáculo insano atrás de mim.
Seu devorar já estava pelas coxas, quando interrompo a barbaridade e me levanto. Ele já não me consegue imitar, mas voltou a sorrir. Não olho mais aquilo. Cruzo a água, caminho, e esse espinho vai continuar ali.

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Tal vez da verdade



Talvez a verdade seja
Uma invenção do sentido
Metáfora completa do nada denso
Uma inversão do sentido
Ironia da soma que diminui

Talvez a verdade seja
O antônimo mais perfeito da existência
E vamos acumulando o que não é verdade
Em busca de um transbordamento inconsútil
Assim como se limitasse com desejo
A verdade enseja no vislumbre de luz
No vir a ser ilimitado e placenta constante
Sugestão do quase e tentação do quando
Antimatéria se faz no aqui e a fora

Verdade talvez não seja
O que jamais será e o que terá sido
Na negação de estar sempre sendo

Assim
A verdade seja talvez
Assim
Imaculação concebida no estupro da voz
Ser
A palavra bendita que ao ser se maldiz
E ao ser
que se dizendo se desfaz nesse disfarce
Será
Como oração de fé engravidada

Assim
Seja a verdade talvez

domingo, 22 de junho de 2014

COM FICÇÃO





Terei de pronunciar pecados principais a vós
A mão de renunciar a dor viva em prazer
Mulher pequena metonímia imensa em caos
Como errar o alvo e ainda assim gozar?
O olho exorta o passo e finge sentimento casto

Aponto estrelas que brotam em dedos
No céu da boca, espinhas e verrugas
As mãos ensaiam sóis, universos se criam
Explodem nada mais que natimortos?
Em si, para si, gerações se vão ao chão

E haverá com quem concorrer criação
Usurpado o trono tem-se a ira
E chagas sujas mais que chamam trevas
Não vale mais leprosos que puros seres?
Alvos sacrossantos são crias críveis

E os sonhos sacrilégios sãos?
Em vão inventa a arte a culpa?
Venerar o vulnerável ou vil perdão?
Pois per-doai!