terça-feira, 10 de maio de 2011

VISÕES DE TÚLIO

Só a suavidade das orquídeas compensam o desprezo do infinito
A lembrança percorre trincheiras de lutas desumanas
A falta...

Sempre há um justo a proferir impropérios
Os rastros de sorrisos ingênuos já passaram e fomos limo
Vento vem de noite e quero dor
Traz nos braços a pele de desgosto dos deuses
Querer é trazer pra si angústias
Semeando agonias - preferimos sorrir necessidades

O outono prenuncia desesperos
É pra se cantar que se criaram pirilampos
À noite, somos gêmeos de um novo par
A cada instante percorremos imensidões
Não nos tragam o tempo e a loucura
Por falta de loucos

Pra teu verso composto de rimas pobres
Um arquiteto imita seus fiéis
Mais insano de atirar pedras aos peixes
Caminham nossos guias pela segadura
Lâminas presas aos pés de versos cacofônicos
Iludimos nosso ego com o prazer impuro do vinho
E as danças...

Convivas disputam seus lugares
Preparam-se os nossos hóspedes rarefeitos
Uma tez que não se cora
Múmias se beijam com volúpia

DE COMO O SER VIROU TEMPO II

DE COMO O SER VIROU TEMPO II


                                                        *(Em parceria com meu irmão Marcius Petrúcio, Magister Luddi)

Parece até que eu jamais falei no amor
Parecer até que eu jamais amei
Criança é mesmo assim: bobagem, beleza,
Só fala maravilhas banais.
(Luiz Gonzaga Jr.)


Daí, tenho que confessar que não sou um ser consistente, dependo de um narrador que me antecede e este, por sua vez, deve depender de um escritor, o qual é uma das facetas de um ser humano, filho de Deus; Deus — criatura de todas as criaturas.
Nem por isso deixo de me fazer aqui e de descrever a história que me impressiona, porque acho que devo imprimir aqui a história de todos e de como o ser virou tempo, pela segunda vez.
Mas desta vez, quando passava, sob a chuva desta cidade, e matutava minhas várias histórias que algum dia ainda cantarei, dei com Aleph na ladeira da rua Quincas Borba:

— E você se diz um criador?

— Aleph, meu velho... há quanto tempo?

— E ainda me chamas velho, se sou uma criança? Sabe você do tempo?

Meu amigo sempre foi um desmedidor de palavras; que espírito!

— Apenas uma criança, ó Aleph.

— Somos todos criadores. — continuou — Muito além está o que nos desvenda, mas nem por isso deixamos de nos fazer deuses.

— Isso faz muito sentido...

— Não me interrompa! “Um certo infinito é ao mesmo – sob outro ponto de vista – algo estático.

Nós somos uma figura num quadro de uma casa
que tem uma figura de um
quadro numa casa que tem a figura de um
quadro numa casa que tem a figura de um
quadro numa casa que tem...

E, assim, pelo menos de certa forma, facilmente pensamos numa cadeia infinita de quadros e casas.
Mas, por outro lado, nós somos uma figura num quadro de [uma casa que tem uma figura (nós) num quadro de] uma casa... nós, nós, nós,...”

— Nó...

— Não avisarei de novo... se me interromper novamente...

— sei, sei, sei... desculpe.

— Umpf! “ Agora, com o pensamento voltado para o(s) comandantes(s) disso tudo, penso: ele está na quarta dimensão (ou eles estão). Mas quem está na quarta dimensão comanda quem está na terceira dimensão; dessa forma, somos Deuses do que é plano. O que é plano, por sua vez é Deus do que é linear. Este, por sua vez, é Deus do que é pontual. E, talvez finalmente, este é tão modesto e pontual que vive absolutamente de bem com sua modesta pontualidade, a ponto de só olhar para cima.
Quando comandamos alguma figura plana, vendo nela um infinito mundo, estamos exercendo nossa função superior. Um mundo tão vasto e infinito, e que vive em metamorfose, que muitos veem apenas a figura. Ponto.
Da mesma forma que estamos num quadro tridimensional tão grande (imagine a casa!) que planetas podem colidir e continuamos uma figura.
Agora, penso na igualdade “dimensional”. Tudo bem, estamos — neste ponto-de-vista — equidistribuídos e somos equi-especiais. Mas dentro desse nosso mundo — já mostramos que nós (nós que lemos, escrevemos e contamos) somos a nata (também tenho vontade de pensar na nata da nata da nata...)”.
Nesse momento eu olhava Aleph desenhar no ar, com o dedo indicador, uma imagem de um tubo de ensaio sendo agitado e com um líquido branco, ao final, inclinado. Eu poderia ver bem os níveis da nata sendo diferenciados até formarem um triângulo pontiagudo dentro do tubo de ensaio.
Mas o meu amigo, agora de olhos fechados, parecia absorto para que eu só visse os movimentos do dedo, e agora o dedo da outra mão, e não visse mais nem mesmo o tubo, nem o ensaio, nem a nata lá dentro; via apenas meu amigo como se ouvisse música (ele e eu), e como se a regesse. Até que uma autocensura me advertiu que, em pensando nisso, também ocorria uma interrupção na nossa história de Aleph. Foi quando ele voltou ao nosso mundo:

— “Pergunta: por que não consideramos algo entre o que é linear e o que é plano? Curva de Peano?

Da mesma forma, por que não consideramos algo entre o que é plano e a figura que somos? Entre nós e o que está na quarta dimensão? E assim por diante?
Quer dizer, de 0 dimensão para 1 dimensão? E de 1D pulamos para 2D e depois para o infinito 3D? E assim por diante?

Hipótese do Continuum?

Pergunta: o Teorema de Gödel é uma resposta?

Quer dizer, independente se sim ou não, não perdemos nossa consistência?”

Agora Aleph tinha parado de falar. Olhava-me como que me espicaçando. Seus olhos vasculhavam nos meus a resposta para suas perguntas. Mas não eram perguntas, pensei, era um emaranhado jogo matemático de espelhamentos. Ademais, tudo isso estava contido na história de meu velho amigo. Eu, seu mero ouvinte, havia ficado no nível mais fundamental, o mais pontual possível. Eu olhava divina e somente o que era somente uma história.

Quase tinha perdido a visão de que o rosto de Aleph começava a se untar de lágrimas, mas ele ainda me olhava. Eu dizia com meu silêncio: “Mas, Aleph, é uma história!” E já me arrependia de ter “não-dito”, isto é, de dizer em silêncio, de ao menos cogitar tal impropriedade.

Agora, juntamente a esta cena, meu amigo levantava as duas mãos na altura do peito e abria e fechava os dedos das mãos. E eram tantos dedos a reger inúmeras músicas em suas harmonias infinitas, afora a música das lágrimas semitonando a melodia no rosto, e a história ganhava, para mim, trilha sonora e fotografia, até eu me lembrar que seus personagens éramos nós.

Compreendendo minha modesta pontualidade, olhei para cima, agora, e pensei nos deuses dos intervalos. Aqueles entre mim e a próxima dimensão (semideuses?”). E, não me achei nenhum pouco consistente, nem independente. Na pequena chuva que nos caía ao rosto — a chuva me parecia o choro dos semideuses infinitos dos intervalos dimensionais; como pinceladas de tintas a pintar-nos a todos, num quadro sob um cavalete em casa de algum deles — via, em cada gota, o olhar choroso de Aleph, olhar cuja a história me perguntava: “não perdemos nossa consistência?”

Não perdemos nossa consistência? Não perdemos nossa consistência? Não perdemos nossa consistência? Não perdemos nossa consistência? Não perdemos nossa consistência???

Daí, eu não ouvia nem via mais o Aleph, nem via a rua Quincas Borba onde estava ouvindo nossa história, nem mesmo a história que nos continha eu via ou ouvia mais, até não ver a mim mesmo e cuido de calar até meu silêncio, pois, agora, eu estou vendo e ouvindo eu ser visto e ouvido.