terça-feira, 18 de outubro de 2011

Olhos caídos

Ao Koda.

     Toda vez que sentia remorso, fumava. Daí, o sorriso vinha largo, enfrentava seus vícios com doçura até a embriaguez, cantava, dançava e se envolvia em sonhos. Era o retardo mental mais aconchegante. O ronco, após, trazia delírios de cachoeira em degelo.
     Mas, foi quando escasso o àlcool que seu itinerário de alívio o fez enredar. Via, da montanha, que seu pico era ilusão. Notou que pássaros o visitavam em solidariedade de vigília. Também árvores acompanhavam seus passos de transeunte em desvairio. Remoeu tanto aquela ideia e uma atordoante aura natural denunciou seu declínio. A surpresa revela ao homem percalços. Se sentiu possuído da dúvida, agora. O nada, abundante.
     Moveu-se de contrição e sua reverência o traíra.
     Isso prouve à humanidade em alento pelo personagem. E ao comprimir os lábios, lhe sobreveio enleio da continuidade. O próximo passo foi, então, negociar  sentidos ao seu corpo, até aí tinha sorvido a manhã e já não há mais a dizer dos entremeios.
     Foi na acelerada decida da montanha que deu com a caverna e, de lá, saía sorrindo um chinpanzé com copo rústico na mão. Precisou de gestos para anunciar ao ser compacto sua descoberta, mas a boa nova não continha apelo, por isso voltou à decida, em busca de outros interlocutores.
     Já a moça-menina, de flor na mão e fruto na boca, olhou-o com ternura. Seu desafio, porém, chegara atrasado, pois, apesar da solicitude, ela trazia o cenho cerrado como se interpelada por um invasor. Dessa vez, menos íngreme o percurso, a cabeça fitava a relva tão contida.
     Encontrou seres rasteiros e transparentes a tecer lares e alimentos, com fios invisíveis e letais armadilhas. Tirou as sandálias e o sol se convertia.
     A multidão de convivas estavam embaralhados na feira, mas o abjeto ver os quis enfileirados e em ordem de tamanho e cor. Cada qual se orientava pela nuca do outro e havia requinte de harmonia nos grupos que se posicionavam.
     Conferiu seus bolsos, o personagem, e sua riqueza o desonrava. Bruscamente saiu aos empurrões e gritava que ali não havia ouvidos para sua música. Houve protestos, houve xingamentos, houve ameaças. Mas houve pilhérias, alguns incitavam apedrejamento sumário.
     Foi, no entanto, o cego-cantor que advertiu a todos da velha profecia. Daí, houve silêncio. Desejaram que o personagem  lhes sentenciasse penitência. Houve pedidos, rogos, lamentos, exigências, protestos, xingamentos; houve ameaças e pilhéria, até que o apedrejamento começou.
     Um a um entregava ao cego pedra conforme tamanho e cor. O pobre deficiente cantava e atirava para o alto as pedras e, invariavelmente, de tamanho e cor, caíam em sua própria cabeça. Já o sangue escorria-lhe nas pernas e as pedras acabaram. O cego envolvia-se em sonhos e cantava e dançava - alguém lhe ofereceu àlcool e cigarro - o cego sorriu.
     Na alvorada, jazia sentado na praça da feira o novo cantor cego, personagem vindo dos subterrâneos; e passou a anunciar, dia a dia, a profecia da vinda do restaurador das visões àquele povoado caolho que habitava o pico da grande montanha.