Ela dos espelhos
Tinha um espelho diante dos pés quando, Ela, sem pensar em tudo, percebeu-se no
lugar que não lhe fora apropriado. Não era um espelho inteiro – pedaços de
sonhos, apenas, de um instante repulsivo que a fizera esmurrar seu clone
naquele anteparo envidraçado.
Desse
prisma para a vida, via que o profundo era o mais alto e o fragmento comporta o
todo: era um lance divino de dados aqueles outros estilhaços de mulher
salpicando o tapete da sala de jantar, enquanto tudo aguardava um certo senhor
Custódio, digníssimo pedinte de mão...
Um
passo adiante e outro gigante sereno se estendia no poço cujas bocas
geométricas lembravam ladrilhos. Um olho enviesado aqui, o nariz e sua pinta
debaixo, o batom borrado, duas orelhas – três?– se se juntarem, centenas, seus
milhares de dedos tão cheios de dedos, e onde foi parar o seu sexo? Um
amontoado de pêlos – já não mais triangular – apontavam o caminho da vulva e
dos lábios que de grandes só em mosaicos. Uma vagina equidistante que
acavanhancava o corpo da tóten extasiada de álcool e sangue – e medo.
Na
quebradura de seus corpos, a natureza e a essência recebiam coerência
fisiológica. A cada sentimento espicaçado unia-se um órgão interno ou uma
tiragem de derme. Seu pigmento, às vezes, lhe corava mais quando os pés
descalços erravam diante do chão de estrelas pontiagudas. Os rasgos de noiva
não percebiam o mundo por multiplicação como era de se esperar. Seus ouvidos
multilabirínticos não ouviam, por exemplo, as insistentes batidas na porta com
a chave de um automóvel récem-fiananciado em 48 vezes com juros e juras de um
matrimônio feliz. Seria de se contar que ouvisse seu próprio nome numa dízima
progressiva na proporção das letras que o compunham, em randônicas combinações
– “e quase que eu disse agora o nome dessa mulher”.
Mas, não. No desavesso dos
sentidos, elas já totalizavam um universo reduzido ao infinito de seus cacos,
portanto, seria inconcebível que galáxias de pessoas em milhões de salas de
jantar evidenciassem o que uma apenas, e desprezível, das dimensões tornasse
aquele casamento em um problema ou num plano a executar.
E, de
futuro, seus milhões de óvulos engavetados por trás de um plural clitóris
adormecido em seus respectivos múltiplos desejos de senhora jamais teriam a
oportunidade de se fecundarem diante das improbabilidades de um, e somente um,
daqueles cacos ter refletido a figura de um noivo agitado e desgrenhadamente dividido
do outro lado da porta.
Não tem jeito, tudo em mim é literário! Sonhos, sangue, dor, ardor. Até meus labirintos com defeitos. Principalmente eles.
ResponderExcluirNão sou suspeita em amar seus escritos (os pouquíssimos que leio - não sou leitora assídua de nada), por ser sua irmã, mas sim porque, com modéstia ou não, tudo em mim é literário mesmo.