quinta-feira, 25 de março de 2010

O passo do condor

que cor tinham os céus quando você voava?
Sentinelas mostravam seus braços turvos
Sondavam sonhos brancos
Imunes aos senhores da mentira
(Marcelo Brice)

Na viagem de volta, uma paisagem nova, como a dizer que em todas as viagens fossem diferentes a ida e a volta. Menos de experiências que de sina, uma forma de aprender vôos em íngreme, pelas costas, o fazia carregar a invisível bagagem até o lugar estabelecido como casa. “É casa de morar pássaro”, de céu no alto, sobre pescoços calejados, presos por vontades de ver pássaros ao considerar as cores de pensamentos musicais, estes repousando febris no horizonte de testas, em uma madrugada buscada de longe em longe até o amanhecer.
Um pensamento sobre vôo, um absurdo: flores dissecadas na primavera. Mas o vôo vai, na tensão entre o existir e o que é agônico, na mera fábula do antigo e de novo, na amena antífrase do vero sim, feito nau. Crianças em fornos, sem hoje, sem sonos, sem nojo, sem remos. Há hesitação da metafísica que configura o real e o sonho, que acompanha as messes da vigília de dez mil gafanhotos aperfeiçoando o zen numa colheita sã.
Tristes, os déspotas digladiam no Eão. O que prende é o que eleva. A sutileza mais possível é a barbárie. Lixo é o que é necessidade. Nunca estar em si foi tão extasiar de momentos telúricos, dissimulando, assim, ilando tatos nas veias, crivando silêncios no ver.
Em pó, ramas da noite e do sol reinam sob subornos.
O tremer da segurança – terra à vista – mar à vista – martelos vis até o rio, até risar sobre vôo de dois pequenos gozos de viajar até o fim: nau de deus.
Lúgubre como a noite desvairada: o vôo vai, na agonia, desejando saber o universo, numa música que cintila nos ouvidos de ousados. Messes e seus hinos de plantar semente.
O pássaro voltou ao lar – mascarado e banido de si.
Convocou-se novamente a entidade fatídica do Eão, estancado e só em rimas, um nó de presença que prolifera na viagem do está lido, nas noções de pouso – na alegria que trafega do gozo, pelas muralhas de deuses que perfilam na primavera e no outono de Plutão e Perséfone, onde cada caboclo baforeja seus fumos enternecidos
E se garantem do verso, disperso na lisa, fina e adjetiva função – esvai, assim, a prosa cacófona –, que a história foi – não foi – não foi – foi – não foi. São meretrizes em plenas acro-bacias de amor-de-contos. Práticas de preencher papéis não meus – não meus – meus – não meus.
Há, porém, uma luva em cada esquina do esquife e segue-se o passeio em disfarces de mão, de faces em não, em face de não. Sem nãos, se fazem cavaleiros que até rimam ao até risar, é o léxico que perpendicula no romance de um ás sem dente. “Nada ter se hoje não ser sempre tudo”. Momentos de credo só se têm quando a fé falha, de sobrepujanças e preposições para fazer organizar a fala. Um manejo de sofrimentos alheios a perder de vista os males.
Ninguém entende as frases de um obtuso, mas a terceira mulher amada chegou à plenitude e gozou feito a eternidade, até que eterna se fez. Feiticeira fez de cera a terna garça do amor. Fez um fingimento capital, até que captou o canto profético. Como se todas as pitonisas prontificassem-se a Proust, astutas. “Há uma santa [puta] com ou sem nome” a dar mais homens salvos que o deus que a salva. Uma rainha tola de débeis inspirações criadoras: Diana – deusa feliz! Quem disse que ser mulher é ser bastante a falta?
Um conto, com respeito e murmúrio, no ouvido, a falar sapiências, ouve comedido, como se com o mênstruo possuísse a maior fé.
São tantas fases de acasalar, que se coubessem como profanação de livros ufanos, sem palavras, não mais que a carne dura em lábio feito anel, quem sabe a orbe desejaria, autorizaria, com langor, unir um em outro.
O manto de cobre é um núncio andrajo, sórdido, no qual o sangue corre, fermentado de doce volúpia, hoje, de deusa, que devota para jamais adorar multidões, tremendo.
Que homem dirá que ascende para um pó de um mais doce e sem fim?
O enfado humano prende a Terra por sentir que já não escapa mais da dor sem amor, afora a bebida que rende a viagem sem rumo. Tolices e perseguições se sucedem sem súditos, sem a revolução nem o caos do amor tenso.
Sem sorrisos, cegos, ora nos aromas, ora nos calos das patas, trafegam seus passos sonsos, no olhar do tolo, até que o enfado, que lhes prende à Terra, causar-lhes dó.
– Se a cor do meu caos não for qual meu fardo, que é meu, não for igual a dor que me acometeu, então não me darei a mim o que não for me dado, como se o que faltasse a mim, falte-me, assim, por meu bel prazer, num sobressalto, num sobrevôo último e certeiro.
Na volta dessa viagem, seu vôo de pássaro vai, como em uma telegrafia de mensagens turbulentas. Como todos os repiques de tambores, nos ritmos quebradiços dos nós das almas, nos seus elos cauterizados de nuvens, vulcões e raios.
E ainda, sob o pôr mais caótico do sol, é permitido destilar somente uma lágrima. Naquela meia esfera, meio ex-fera, esvai-se, num vacilante pulo; e é quando perco sua morte minha, minha vida sua, meu irmão.

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